03/10/2024
Uma atmosfera de desolação é imediatamente notada por quem adentra o barco flutuante de Henrique Alcione Batalha, 55. O espaço é a casa e a base logística do pescador. Está limpo, vazio e silencioso, ancorado nas águas paradas do paranã do Capivara, um dos incontáveis tributários do rio Solimões. A comunidade São Francisco do Capivara está logo em frente.
Alcione, que mora sozinho no flutuante, está de mãos atadas. Ele pesca o pirarucu, o peixe gigante que é símbolo da amazônia. A pesca é feita dentro de um eficiente plano de manejo, que inclui vigilância, contagem e captura em períodos e quantidades certos, com retorno financeiro decisivo a dezenas de comunidades na região do médio Solimões. Os pirarucus, porém, estão inacessíveis.
A sequência de secas extremas, com vazantes sem precedentes em 2023 e em 2024 nessa porção da Amazônia ocidental, isolou os lagos onde estão os peixes. O igarapé que leva aos lagos virou um fio d’água e está intransitável. Os furos, que são cursos d’água ainda menores e que conectam o igarapé aos poços, desapareceram.
A autorização para a captura de 650 pirarucus adultos já foi dada, mas Alcione e os outros pescadores da comunidade não têm o que fazer. Resta a eles uma espera aflitiva pelo desfecho momentâneo de uma crise climática em que nada mais é previsível.
As famílias perdem renda, passam por dificuldades para comprar alimento e água, enfrentam a insegurança alimentar.
“A situação está cruel nesses dois anos [2023 e 2024]”, diz Alcione. “Este ano ainda está pior, a água desceu muito rápido. E o rio continua vazando.”
Sem água, os produtores artesanais de farinha de mandioca –a base da alimentação na região amazônica– vivem rotinas cada vez mais penosas no médio Solimões. A seca é tão dura, e sem precedentes até a chegada do ano de 2023, que a produção de farinha só ocorre na base da teimosia.
As comunidades estão sem rios, igarapés e poços para o repouso da mandioca, necessário para o amolecimento do tubérculo. Passaram a improvisar em tanques de plástico.
A água que chegava até bem próximo das casas de farinha –as “cozinhas de forno”, como são chamadas– não existe mais. Os mais jovens, então, transportam na cabeça ou nas costas sacos de 70 kg a 80 kg, após a torra nas cozinhas. Caminham de 15 minutos a uma hora e meia, a depender do lugar, até a beira de um curso d’água.
Não há mais lagos ou rios caudalosos para o transporte dos sacos de farinha até Tefé (AM) e, de lá, para Manaus. Barcos grandes, então, são substituídos por canoas pequenas, com transporte fracionado da farinha. Um percurso de uma hora se transforma, na seca, em seis horas em vagarosas embarcações.
Na comunidade Apuí, na região do lago Tefé, Adriel Fonseca Cacheado, 27, participa de todas as etapas de produção. Faz a torra em grandes tachos. Ensaca. Transporta, nas costas, o saco com mais de 70 kg de farinha até a beira do rio. Repete esse movimento por oito vezes numa mesma tarde. Acorda cedo no dia seguinte e inicia a jornada até Tefé numa embarcação de pequeno porte.
“A nossa família, que tem oito pessoas, vem conseguindo produzir essas oito sacas por semana. Na cheia, conseguimos fazer 15”, diz Adriel. “Todo esse caminho, na cheia, é por água, da minha casa até o porto.”
Os impactos da crise climática são sistêmicos no manejo do pirarucu, o peixe que mais simboliza a amazônia e a viabilidade de projetos sustentáveis no bioma, e na produção de farinha de mandioca, que garante o alimento mais básico dos amazônidas.
A realidade de Alcione, perdido em desolação, é semelhante à de 1.200 pessoas, de 42 comunidades no médio Solimões, envolvidas na pesca monitorada do pirarucu. O plano de manejo conta com assistência do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Segundo técnicos do instituto, as 42 comunidades sofrem com o isolamento dos lagos e a impossibilidade da pesca.
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