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O impacto devastador causado pelo incêndio na Serra da Beleza em Valença

01/10/2024

Sementes de esperança são a única forma de vida onde o fogo reduziu animais e floresta a um monte de cinzas. Na última quinta-feira, um casal as lançava de um mirante, em Valença, no interior do Rio. Eram ipês, para reviver a terra. E abóbora, tomate e fruta-do-conde, para alimentar os pássaros. Aos pés dos dois, jazia a Serra da Beleza, calcinada por um incêndio criminoso no último dia 11. Do mirante até o horizonte, a paisagem conhecida como mar de morros foi transformada num oceano de devastação.
— Minha família adorava isso aqui. Tantos bichos morreram... Uma tristeza. Os que sobreviveram estão com fome. Trouxemos essas sementinhas do quintal de casa. Não é muito, mas é um pouco de esperança — dizia Sandrinea Winter, que, com o marido Osvaldo Azevedo, despejava potinhos de sementes ao vento.
A Serra da Beleza, assim como o restante do Vale do Paraíba, já abrigou uma das florestas mais luxuriantes de toda a Mata Atlântica. A região foi devastada no século XIX para dar lugar ao café. Com o esgotamento do solo e a decadência dos cafezais, restaram a pobreza da terra e pequenos fragmentos de mata. Muitos são menores que um campo de futebol, mas autênticos oásis carregados de história, refúgios da vida selvagem num deserto de pasto degradado.
Os fragmentos da Mata Atlântica são nossa fonte para restaurar o bioma onde vive a maioria dos brasileiros (70%), afirma Rogério Oliveira, pesquisador do mestrado em Ciência da Sustentabilidade da PUC-Rio e um dos organizadores do livro “Geografia histórica do café no Vale do Rio Paraíba do Sul”.
As pequenas florestas regulam o clima local, fornecem água e guardam informações históricas. No Vale do Paraíba, desmatado e infértil, elas são essenciais, frisa Oliveira.
A fragilidade da vida nos fragmentos é tamanha que a maioria dos animais só se aventura sob a proteção da noite. Se de dia só se veem algumas aves, espécies ameaçadas como a onça-parda, a jaguatirica e o tamanduá-mirim saem de seus esconderijos quando o sol desce. Mas no dia 11, foi o fogo que chegou com o anoitecer e fez os bichos sumirem, diz o gestor do Monumento Natural Estadual da Serra da Beleza, Marcelo Moreira.
As montanhas abrigavam ainda lendas da mãe do ouro e estórias de discos voadores. Mas, em poucas horas, as chamas consumiram plantas, bichos e séculos de fábulas e memórias.
Em plena seca, nascentes foram soterradas, agravando a situação num momento em que o Rio Paraíba do Sul, que dá nome e vida ao vale, não alcança a altura do calcanhar em pontos de Barra do Piraí. Normalmente, teria profundidade para cobrir uma pessoa.
O que não virou cinza se foi como fumaça. No mirante abaixo do Pico do Cavalo Russo, a 1.293 metros de altitude, avistam-se morrarias da Mantiqueira e, num bom dia, Minas Gerais. Mas a serra, que se estende por Valença, Barra do Piraí e Barra Mansa, não tem bons dias desde o incêndio. Onde havia a névoa da manhã neste mês se formou uma nuvem de poluentes, resultado dos múltiplos incêndios na região.
O cenário de sonho de restauração ganhou ares de pesadelo de distopia. Na Beleza, em vez de árvores, carvão. O único verde é o do capim, que rebrota no lugar da flora nativa. Espécies invasoras impedem a volta da floresta, ressalta o biólogo Izar Aximoff, autor de estudos sobre o impacto do fogo. Ele enfatiza que as queimadas destroem um patrimônio natural do qual se conhece pouco.
— Há pouquíssimos estudos, por exemplo, sobre a Serra da Beleza. Não sabemos bem nem como restaurar o que foi perdido. As queimadas são um problema gravíssimo em qualquer dimensão que se olhe. Precisamos trabalhar em prevenção, uma vez que, onde há fogo há danos. E necessitamos de mais organização — frisa Aximoff.
A mata destruída tinha figueiras, ipês, cedros, monjolos e jatobás, diz o guarda-parque Carlos Vinícius Aroca, do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Com muito trabalho e sorte, não levará menos de dez anos para que haja alguma regeneração, conta ele.
— A Mata Atlântica é uma floresta úmida, não tem resiliência ao fogo. E leva muito tempo para se recuperar a biodiversidade perdida, décadas ou mais — ressalta o pesquisador estudioso da história natural da restauração florestal da PUC-Rio Gabriel Sales.
Um homem de 61 anos, Sebastião Cloves da Silva, foi preso acusado de atear fogo à serra para se vingar de um desafeto. Se condenado, não passará mais do que dois anos na prisão.
Os incêndios são causados, quase sempre, por fogo iniciado por atos de retaliação, para limpar pasto, queimar lixo, balões, uso indevido de fogareiros. Não há incêndio natural sem raios, e não tivemos raios, diz Sales.
A Serra da Beleza, onde queimaram 1.739 hectares, está longe de ser o único lugar incendiado no estado. Segundo o Inea, apenas de 11 a 27 de setembro foram queimados 2.757 hectares, em 16 unidades de conservação. A mais afetada foi a Beleza.
Este ano, o Monitor do Fogo do Mapbiomas registrou 37.595 hectares queimados no Rio até agosto. O aumento é de 242,74% em relação ao ano passado inteiro.
Os números do Rio parecem diminutos quando comparados, por exemplo, aos de estados da Amazônia Legal, que tiveram este ano 8.816.270 hectares queimados. Mas, em termos relativos, o peso da destruição é imenso, pois a Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil: dela restam 31.059.711 hectares (28%). Já a cobertura florestal do bioma Amazônia é mais de dez vezes maior e preserva 327.025.673 hectares —77,58% da cobertura original —, segundo os dados do Mapbiomas até 2023.
A Mata Atlântica virou uma colcha de retalhos. Se somados todos os pedaços com mais de um hectare há 28% do bioma. Se contabilizados fragmentos acima de três hectares, há 12,4%, segundo o atlas do bioma do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do SOS Mata Atlântica. Mas o percentual cai para 7%, se considerada a floresta contínua, com mais de cem hectares; 97% dos remanescentes têm menos de 50 hectares.
— É por isso que cada minúsculo pedacinho representa uma perda colossal. É tudo que temos — diz Sales.
O veterinário e mestre em sustentabilidade Marcelo de Magalhães viu os remanescentes de floresta da fazenda de sua família em Valença virarem cinzas este mês num incêndio. Depois das chamas, veio o silêncio. O lobo-guará que uivava à noite se foi. De dia, não há mais a algazarra dos periquitos.
— É duríssimo ver tudo perdido. O pasto já está rebrotando. A mata, não. Cabe muita maldade numa caixa de fósforo. Não podemos permitir que isso continue a acontecer — afirma Magalhães.

Fonte: O Globo

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