10/09/2024
Mesmo com o crescimento das folhas na estação, a floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo, sofre com estresse hídrico no período seco devido ao aumento da atividade fotossintética.
À medida que se aproxima a estação seca na amazônia (que vai de maio a setembro), o dossel (nome dado ao conjunto de copas das árvores) cresce. Esse fenômeno de aumento das folhas, conhecido como "greening", leva a uma maior perda de água devido à atividade de fotossíntese.
Contrariamente ao que apontavam estudos passados, em vez de economizar na água para a estiagem, as plantas da floresta tropical vivem em um momento de estresse hídrico, mesmo com as folhas perenes (isto é, que não caem na troca de estação).
Como resultado, o prolongamento das secas na amazônia e também a ocorrência de estiagens mais intensas podem levar a um desbalanço hídrico severo na maior floresta tropical do planeta.
Os achados foram apresentados em um artigo científico publicado nesta sexta-feira (6) na revista especializada Science Advances.
Segundo Xu Lian, autor principal do estudo e pesquisador do departamento de Engenharia Ambiental e da Terra da Universidade Columbia, em Nova York, a descoberta de que há estresse hídrico nas plantas amazônicas mesmo com o aumento da vegetação é contra intuitivo.
"Condições estressantes vão limitar o acesso das plantas aos recursos hídricos, de modo que elas utilizam a água para as atividades mais importantes. O crescimento de novas folhas é a primeira prioridade neste período, pois elas podem aproveitar a luz abundante", disse Lian, em entrevista à Folha.
"Embora florestas tropicais experimentem estresse hídrico durante a estação seca, isso ainda está dentro da faixa à qual elas podem se adaptar por meio de sua resiliência e resistência inerentes. Além disso, à medida que a eficiência de captação de carbono aumenta, ela se prepara para a próxima estação chuvosa, quando as folhas podem fixar carbono de forma mais eficaz. É uma estratégia inteligente na minha perspectiva", afirma.
O estudo utilizou uma metodologia inovadora. A partir de dados de satélite, Lian e colegas calcularam uma taxa chamada de VOD (profundidade óptica vegetativa, na sigla em inglês), que consiste em calcular duas medidas (eixo L e X, grosso modo, a profundidade e a largura do dossel florestal) para saber a quantidade de uso de água em cada parte da planta. O X seria a largura das plantas e o L o tronco das mesmas.
A diferença do VOD noturno (quando não existe luz solar e as plantas não fazem fotossíntese e, portanto, economia de água) para o diurno (quando a atividade é intensificada e é maior o gasto hídrico) pode ajudar a inferir o estresse hídrico.
Outra medida utilizada pelos pesquisadores foi a emissão de isopreno, um composto volátil que é um subproduto da fotossíntese. Sob estresse hídrico, as plantas fecham parcialmente seus estômatos (células associadas à fotossíntese) para evitar a perda excessiva de água, mas isso resulta em uma menor quantidade de CO2 (gás carbônico) entrando nas células. Como resultado, há um excesso de energia que é liberado na forma de isopreno, explica.
Compreender esses mecanismos é fundamental, uma vez que o funcionamento da maior floresta tropical do planeta durante as estações úmidas versus secas pode ajudar na criação de políticas públicas. "Para mitigar o impacto de secas mais frequentes e severas na floresta amazônica são necessárias intervenções políticas e engajamento comunitário. Embora os impactos das secas sejam regionais, a crescente frequência destes eventos está ligada diretamente à mudança climática global", afirma.
No caso da amazônia brasileira, um relatório do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que também utiliza dados de satélites, aponta que o bioma apresenta a pior seca da história, com recorde de registros de incêndio no mês de agosto.
O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) divulgou também, na última quarta-feira (4), que o país vive a pior seca histórica.
Como o estudo de Lian e colegas utilizou dados de toda a floresta, incluindo o Brasil, modelos preditivos de maior estresse hídrico na amazônia podem servir como base científica para reduzir o impacto no futuro.
"A ação mais crucial que podemos tomar é garantir que essas florestas sejam submetidas a distúrbios mínimos. Preservar a integridade desses ecossistemas intactos permite que mantenham suas funções naturais. Assim, proteger essas florestas do desmatamento, incêndios e outras atividades humanas é fundamental para manter sua saúde e sustentabilidade", completa o pesquisador.
Fonte: Folha de S. Paulo
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