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Como um aterro sanitário no Rio transformou o problema do lixo em solução energética

03/09/2024

A gestão adequada de resíduos não só dá solução a um grande passivo ambiental como gera negócios e renda, sem falar na ajuda à descarbonização de outros setores.
Em Seropédica (RJ), o Centro de Tratamento de Resíduos do Rio (CTR Rio) tornou-se um exemplo disso. Por meio de uma concessão da Comlurb, a companhia de limpeza urbana da capital fluminense, a Ciclus Rio, do grupo Simpar, faz a gestão integrada (transferência, transporte, tratamento e disposição final) dos resíduos sólidos urbanos da cidade.
Recebe também lixo de outras cidades próximas (Itaguaí, Mangaratiba, São João de Meriti, Piraí e Miguel Pereira) e de empresas.
A operação viabilizou o encerramento e a recuperação ambiental dos lixões usados anteriormente ali, na Baixada Fluminense e na capital. As 10 mil toneladas diárias de resíduos sólidos depositados da forma adequada nos 3 milhões de metros quadrados do CTR Rio geram energia e água. É o maior aterro sanitário bioenergético da América do Sul.
A diferença para um lixão é que o solo do aterro é impermeabilizado com quatro camadas de proteção, utilizando argila compactada, uma camada de GCL (geocomposto bentonítico) e duas mantas de Pead (polietileno de alta densidade).
Os resíduos são enterrados em camadas, e o aterro conta com sensores eletrônicos para detectar qualquer anomalia no sistema de impermeabilização, que protege o solo e lençóis freáticos.
Um sistema de drenagem com mais de 350 poços interligados por tubulações capta 24 mil metros cúbicos de biogás por hora. Com percentual de metano superior a 50%, o biogás é destinado a diferentes processos, sendo que a maior parte vai para uma unidade de produção de biometano (biocombustível que tem a mesma aplicação do gás natural) ali.
São gerados, em média, 5 mil metros cúbicos de biometano por hora. A outra parte do biogás vai para uma unidade de geração de eletricidade com capacidade de 2,8 MW — energia limpa suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 56 mil habitantes.
No aterro sanitário, outra transformação é a do chorume gerado pela decomposição dos resíduos. Ele é drenado e encaminhado a duas estações de tratamento que o transformam em água desmineralizada para reúso, num volume suficiente para encher 219 piscinas olímpicas por ano.
— O aterro sanitário é uma obra de engenharia cuidadosamente dimensionada para não poluir o meio ambiente. Esse é um fator que o diferencia de um lixão, onde os resíduos são dispostos sem qualquer tipo de preparo, proteção e monitoramento, o que resulta numa contaminação imediata do solo. Além disso, a principal característica de um aterro sanitário bioenergético é, justamente, a capacidade de transformar matéria orgânica resultante da decomposição de resíduos em ativos de energia — explica Fernando Quintas, CEO da Ciclus Ambiental.
Parte do biogás do CTR Rio é processado pela Gás Verde, que tem uma rede de aterros sanitários como fontes de biogás para produzir e comercializar biometano (gás combustível equivalente ao gás natural veicular, o GNV). A companhia é habilitada para emitir créditos de descarbonização com a venda do biometano para outras empresas interessadas em usar o combustível para reduzir suas emissões.
Com a demanda crescente, a Gás Verde vai investir em novas usinas no Rio para ampliar sua produção de biometano de 160 mil para mais de 500 mil metros cúbicos por dia, até 2026.
— Apesar de o país ter matriz elétrica limpa, temos um grande desafio em relação ao uso de combustíveis fósseis. A boa notícia é que o Brasil tem uma vocação natural para etanol e biometano, que são parte dessa solução — diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde.
No Ceará, a Marquise Ambiental, que opera há 40 anos no país, e a MDC, que atua em toda a cadeia de gás natural e é sócia da GNR Fortaleza, deram início ao teste da mistura de biometano com gás natural na rede da distribuidora cearense Cegás.
O projeto piloto tem autorização especial da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e os resultados vão basear atualizações da regulamentação do setor.
— Os resíduos urbanos no Brasil têm, na média, 50% do seu peso total de matéria orgânica. Em decomposição, esta matéria gera o biogás, mistura de metano, CO2, oxigênio e nitrogênio, além de pequenos contaminantes que vêm junto pelo fato de estarem misturados com outros componentes dos descartes dos nossos domicílios - diz Hugo Nery, presidente da Marquise.
Ele diz que esse material, antes, era simplesmente descartado na atmosfera pela população ou queimado de forma rudimentar no maciço dos aterros e destaca a valorização do biometano pelo fato de ele "reinserir um componente do lixo na economia, além de dar uma contribuição relevante à redução de emissão de gases do efeito estufa".
Para Quintas, da Ciclus, o principal obstáculo para atrair investimentos privados para esse tipo de empreendimento é a falta de um modelo institucional com maior segurança jurídica para contratos de longo prazo seguros e viáveis, a partir de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões.
— Para a operação de aterros sanitários, as empresas olham para investimentos de longo prazo e contratos que dependem de viabilidade econômico-financeira para execução, o que ainda é um gargalo em diversos locais do Brasil.
Ele continua:
— São necessárias garantias de pagamento que justifiquem os grandes projetos de gestão de resíduos e, com certeza, há apetite do setor privado para isso, mas as companhias dependem de um modelo que agregue segurança jurídica aos seus esforços. Já chegamos ao fim do prazo para o encerramento dos lixões irregulares no país e, mesmo assim, essa ainda é uma questão latente em muitos municípios.

Fonte: O Globo

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