
19/08/2025
As negociações internacionais para criação de um tratado histórico de combate à poluição por plásticos terminaram nesta sexta-feira (15), em Genebra, sem consenso. Depois de uma rodada intensa que atravessou a madrugada, a proposta final não conseguiu romper o impasse entre países defensores de cortes na produção de plásticos e nações produtoras de petróleo, que preferem restringir o acordo à gestão de resíduos.
O encontro reuniu 185 países no Palais des Nations, sede da ONU, mas terminou sem um texto-base aprovado. “Não teremos um tratado para acabar com a poluição plástica aqui em Genebra”, declarou o negociador da Noruega, após o encerramento das negociações a portas fechadas.
De um lado, a chamada Coalizão de Alta Ambição — que inclui União Europeia, Reino Unido, Canadá, além de diversos países africanos e latino-americanos — pressionava por medidas concretas de redução da produção de plásticos e pela eliminação de químicos tóxicos usados na indústria. Do outro, o Grupo de Pensamento Alinhado, liderado por Arábia Saudita, Kuwait, Rússia, Irã e Malásia, defendia que o tratado tivesse um escopo muito mais limitado.
O Brasil chegou a Genebra com destaque, como futuro anfitrião da COP30 e uma das maiores potências em biodiversidade. No entanto, adotou uma posição considerada “balanceada”, priorizando a ligação entre ações e financiamentos e se afastando de propostas mais radicais, como o banimento de plásticos específicos. Também cofacilitou discussões sobre saúde, mas não se comprometeu com a redução da produção.
“O Brasil, anfitrião da COP30, não apoiou provisões fundamentais do texto, especialmente no que diz respeito à redução da produção de plásticos e à regulação de químicos problemáticos. Mesmo tendo apoiado a inclusão de um artigo específico sobre saúde, o país perdeu a oportunidade de liderar pelo exemplo e enviar um recado firme à comunidade internacional”, criticou Mariana Andrade, coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil.
Segundo estimativas, mais de 400 milhões de toneladas de plásticos são produzidas por ano no mundo, metade destinadas a itens descartáveis. Do total de resíduos, apenas 9% são reciclados de fato; 46% acabam em aterros sanitários, 17% são incinerados e 22% seguem sem tratamento adequado, tornando-se lixo espalhado pelo meio ambiente.
“Enfrentar a poluição por plástico no mundo significa confrontar a indústria dos combustíveis fósseis. Não à toa, os maiores produtores de petróleo foram justamente os que travaram essa nova rodada de negociações”, acrescentou Andrade.
O WWF foi uma das organizações mais ativas em Genebra. Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, afirmou: “Estamos diante de um desafio que já ultrapassou fronteiras, comprometendo ecossistemas inteiros e afetando a vida de milhões de pessoas. Cada dia sem um acordo ambicioso significa mais plástico nos oceanos, mais riscos silenciosos e duradouros à saúde humana e mais perda irreversível de biodiversidade.”
Efraim Gomez, diretor global do WWF, reforçou a decepção: “Após quase duas semanas de negociações tensas, não estamos mais próximos de chegar a um acordo sobre um tratado global para acabar com a poluição plástica. […] Nossa determinação em acabar com a poluição por plástico é inabalável. […] A responsabilidade pelo resultado recai inteiramente sobre os Estados-membros.”
Zaynab Sadan, chefe da delegação do WWF, classificou o resultado como “extremamente decepcionante”, mas destacou que a maioria dos países demonstrou apoio a um tratado eficaz. “Continuar sem nenhuma mudança radical no processo, sem dar o devido peso às demandas da maioria, seria inútil”, alertou.
Além dos embates entre blocos, o papel dos Estados Unidos também foi duramente criticado. O país alinhou-se ao grupo dos produtores de petróleo, reforçando as resistências. “Nos últimos dias das negociações, vimos claramente o que muitos de nós já sabíamos há algum tempo — alguns países não vieram aqui para finalizar um texto, vieram para fazer o oposto: bloquear qualquer tentativa de avançar um tratado viável”, afirmou David Azoulay, diretor do Centro de Direito Ambiental Internacional.
A diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, tentou relativizar o impasse: “O multilateralismo nunca é fácil, e conseguir um tratado em dois a três anos nunca foi feito antes”, disse, após a plenária final.
Mesmo assim, a decepção prevaleceu entre países que defendem mais ambição. Emmanuel Macron, presidente da França, e representantes da União Europeia advertiram que um tratado frágil, sem força legal ou sem tratar de todo o ciclo de vida do plástico, seria inaceitável. Nações insulares do Pacífico, como Fiji, alertaram para os impactos da demora em comunidades altamente vulneráveis.
“Não ter nenhum tratado é melhor do que um tratado ruim”, defendeu Ana Rocha, da Aliança Global para Alternativas a Incineradores (GAIA). “Mais uma vez, as negociações fracassaram, descarriladas por um processo caótico e tendencioso que deixou até mesmo os países mais engajados com dificuldades para serem ouvidos.”
As negociações sobre o Tratado de Plásticos começaram em 2022 e já acumulam adiamentos, o que reforça a sensação de frustração global. A próxima rodada, INC-5.3, ainda não tem data nem local confirmados.
Apesar disso, especialistas destacam que houve avanços na clareza sobre temas centrais, como limites à produção de plástico virgem, harmonização de design de produtos, responsabilidade estendida do produtor e mecanismos de financiamento. Empresas também sinalizaram apoio a medidas mais consistentes.
Pedro Prata, da Fundação Ellen MacArthur, resumiu os próximos desafios: “Sem um tratado global, a atual lógica linear de produção e consumo do plástico continuará poluindo ecossistemas, ameaçando a biodiversidade e comprometendo a saúde. […] Claro que o resultado final é uma decepção, mas esses três anos de discussões trouxeram um salto imenso na compreensão geral do que é a poluição plástica no mundo e, obviamente, de que ela precisa de uma resposta imediata.”
Todos os anos, cerca de 22 milhões de toneladas de resíduos plásticos são despejados no meio ambiente, de acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022. Esse volume compromete solos e oceanos, ameaça a biodiversidade e acaba alcançando a cadeia alimentar humana. Diante desse cenário, a necessidade de medidas concretas e urgentes é indiscutível.
Fonte: CicloVivo

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