12/09/2024
O Cerrado tem nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o Brasil e conecta a Amazônia ao norte, a Caatinga a nordeste, o Pantanal a sudoeste e a Mata Atlântica ao sudeste. Apesar de sua importância socioambiental, é o bioma mais rapidamente devastado do país: em 2023, perdeu cerca de 1 milhão de hectares de vegetação nativa para o desmatamento. O número representa uma área do tamanho de dois Distritos Federais e um aumento de 67,7% em relação ao ano anterior. Foi também a primeira vez que a área desmatada de Cerrado foi maior que a área amazônica, desde o início da publicação do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) da rede MapBiomas.
Por “bombear” água para o restante do território brasileiro, o Cerrado é chamado de “Coração das Águas” em uma nova campanha cujo objetivo é sensibilizar brasileiros e brasileiras sobre o bioma e esta região. Ao todo, são milhares de nascentes que correm apenas para a Amazônia, sem falar no Pantanal, na Caatinga e na Mata Atlântica, e abastecem milhares de cidades, a indústria e a própria agropecuária.
O segundo maior bioma da América do Sul possui ainda mais características fundamentais, afinal, presente em 11 estados do Brasil e no Distrito Federal, abriga cerca de 12% da população (25 milhões de pessoas), além de 80 etnias indígenas e diversas comunidades quilombolas, geraizeiras, de quebradeiras de coco babaçu e diversos outros segmentos de povos tradicionais. Apesar de prover quase metade da água doce do Brasil, a conversão de áreas nativas do Cerrado para pastagens e agricultura já tornou o clima na região quase 1°C mais quente e 10% mais seco, indica um estudo publicado na revista científica Global Change Biology.
No quesito diversidade, é a savana mais antiga e biodiversa do planeta. Estima-se que abrigue mais de 12 mil espécies de plantas. A região conta também com pelo menos 2.373 espécies de vertebrados, cerca de um quinto dos quais são endêmicos, ou seja, exclusivos do Cerrado.
A magnitude do Cerrado também está embaixo da terra, uma vez que abriga uma “floresta invertida”, ou seja, tem árvores com raízes profundas que atuam como uma esponja gigante absorvendo e estocando água da chuva, distribuída para milhões de nascentes durante todo o ano, inclusive no período de seca. Ao desmatar essa vegetação, acontece a compactação e erosão do solo, dificultando a retenção de água para os aquíferos e prejudicando rios de todo o bioma.
É por isso, também, que a campanha “Cerrado, Coração das Águas” gira em torno da questão hídrica. A ideia é apresentar o bioma como fundamental para a vida humana na COP de Belém, que será realizada em 2025 na capital paraense. “Queremos que todos saibam da relevância do Cerrado para as nossas vidas, inclusive para a agropecuária”, diz Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados.
O Cerrado é hoje responsável por 60% de toda a produção agrícola do Brasil, incluindo culturas como soja, milho e algodão – 14% de toda a soja do mundo e 16% da carne são produzidas no Cerrado. Plantações que dependem da estabilidade climática já começam a sofrer os impactos do desmatamento. A expansão agrícola, principal indutora do desmatamento do Cerrado, muda o cenário climático local e regional, o que pode levar à queda de produtividade e à diminuição do número de safras, além de agravar o aquecimento global.
“Cerca de 28% das áreas agrícolas de milho e soja do Centro-Oeste já estão fora do ideal climático para plantio, número que pode aumentar para 70% em 30 anos”, explica Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em referência a um estudo publicado pela instituição na revista científica Nature Climate Change. O início da estação chuvosa agrícola já está 36 dias atrasada e as chuvas já reduziram 8,6% em média no Cerrado.
As barreiras para conter o avanço do desmatamento no bioma são poucas. O Código Florestal brasileiro determina que, pelo menos, 20% da área dos imóveis rurais no Cerrado seja mantida como vegetação nativa, e essa proteção passa para 35% em áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal. Na Amazônia, uma propriedade privada é obrigada a manter até 80% da vegetação nativa de sua área – o inverso. Além disso, no Cerrado existem poucas Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas, ocupando apenas 8,6% e 4,8% do território do bioma, respectivamente.
“A perspectiva de aumentar essa porcentagem é baixa, devido ao preço da terra e ao pequeno orçamento destinado pelo governo à criação de áreas protegidas”, diz Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
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